Por Bernardo Ariston
A PEC da Blindagem é um dos maiores retrocessos institucionais do Brasil nas últimas décadas. Vendida como garantia de prerrogativas e pacificação política, na prática ela é um escudo para proteger parlamentares de processos criminais e investigações, blindando os mesmos políticos que deveriam estar sujeitos às leis como qualquer cidadão. Sob o pretexto de evitar perseguições judiciais, a proposta restabelece a exigência de autorização prévia do Congresso para que deputados e senadores sejam processados, impõe voto secreto nessas deliberações e amplia o foro privilegiado até mesmo para dirigentes partidários. Trata-se de um pacote que devolve à elite política um salvo-conduto abolido em 2001 exatamente porque produzia impunidade.

A narrativa de “pacificação” é, no mínimo, um insulto à inteligência do eleitor. Não há pacificação quando se limita o alcance da Justiça. Não há pacificação quando se instala um sistema no qual colegas de mandato decidem, secretamente, se outro parlamentar pode ou não responder a processo penal. Essa retórica serve apenas para disfarçar um ato de autoproteção, uma blindagem corporativa, um passo atrás na construção de uma democracia mais transparente. A história recente já mostrou que essa fórmula gera escândalos e descrença nas instituições; revivê-la é perpetuar os mesmos vícios.
Os números da votação escancaram a dimensão do problema, pois mais de trezentos deputados votaram a favor da PEC nos dois turnos, formando uma maioria disposta a colocar seus privilégios acima do interesse público. O eleitor deve guardar esses nomes. Cada voto a favor foi um voto pela impunidade, pela opacidade e contra a igualdade de todos perante a lei. Parlamentares que defendem a ideia de que só podem ser processados com autorização política traem a essência republicana e afrontam o Estado de Direito. A reação popular, com repúdio nas redes sociais, pedidos de desculpas e arrependimentos públicos, mostra que a sociedade não se deixou enganar pelo discurso oficial.
As consequências desse retrocesso são graves. A exigência de aval político para investigações enfraquece órgãos de controle, desestimula o combate à corrupção e aumenta a sensação de que “os de cima” nunca pagam pelos seus crimes e, ao mesmo tempo, corrói a confiança no Parlamento, alimenta a descrença e abre espaço para populismos autoritários. A democracia perde quando o Legislativo usa seu poder para proteger seus próprios membros em vez de fortalecer as instituições de fiscalização.
As manifestações de rua que tomaram diversas capitais e cidades brasileiras no dia de hoje mostram que a chamada “pacificação” não passa de retórica. Milhares de pessoas se mobilizaram espontaneamente contra a PEC da Blindagem, denunciando nas ruas o retrocesso institucional que ela representa. Essa energia popular revela que a sociedade não aceita de braços cruzados a tentativa de blindagem dos políticos, nem a narrativa de mudança de “regime” ou de “sistema” que uma parcela da classe política insiste em difundir para tumultuar o debate público. Mesmo sob forte pressão externa, o Brasil segue dando exemplo de resistência na defesa do Estado Democrático de Direito, demonstrando que a cidadania vigilante continua sendo a maior barreira contra os retrocessos institucionais.
É preciso dizer com todas as letras que a PEC da Blindagem não tem nada de benigna. Ela representa um ataque frontal à transparência e um incentivo à impunidade. A “pacificação” alardeada é uma narrativa vazia, construída para justificar um projeto de autopreservação. O Parlamento brasileiro, ao aprová-la, deu as costas à sociedade e mostrou que prefere privilégios ao compromisso ético com o país. Cabe agora ao eleitor reagir. Ano que vem, nas urnas, está a oportunidade de punir politicamente cada um dos que votaram a favor desse retrocesso. Muitos dos que hoje ocupam mandatos não merecem reeleição alguma. É hora de lembrar que o poder não é eterno e que a cidadania vigilante pode e deve impor limites a quem trai o interesse público.