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Artigo: “A farsa do algoz que pede compaixão”

artigo bernardo bolsonaro

De líder autoritário a réu doméstico, Bolsonaro tenta transformar a punição em vitimização e a justiça em palco.

Por Bernardo Ariston


A prisão domiciliar, prevista no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal, é uma medida excepcional. Serve para proteger a saúde ou integridade física do preso quando o Estado é incapaz de garantir tratamento adequado em presídios. É um instrumento humanitário e, por isso mesmo, deve ser aplicado com cautela, dentro de critérios técnicos e morais. O problema é quando a humanidade vira escudo para o cinismo político.


Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e destruição de patrimônio público, tenta agora vestir a fantasia de vítima. O mesmo homem que debochava de vacinados, que negava a dor de famílias durante a pandemia e que se alimentava da violência como discurso político, tenta sensibilizar o país com seus laudos médicos. Fala-se em câncer de pele, anemia, insuficiência renal. O “mito” virou paciente e quer clemência.


O que Bolsonaro realmente quer não é tratamento, é tempo. Tempo para reorganizar seu exército digital, para continuar mobilizando seguidores, para posar de perseguido político. A prisão domiciliar, para ele, seria o melhor dos mundos, uma cela com Wi-Fi, um cárcere sem grades, um palco silencioso onde o populismo pode continuar vivo. É a reinvenção do discurso. O mesmo homem que defendeu o fuzil como solução para tudo agora se diz indefeso, frágil e injustiçado, uma metamorfose feita sob medida para manter viva a retórica do mártir.


O mais grave é que Bolsonaro não é um homem qualquer em conflito com a lei, é um ex-presidente que tentou subjugar o próprio Estado que o abriga. O uso político da prisão domiciliar, neste caso, vai além de um pedido humanitário: é uma estratégia de sobrevivência. Ele sabe que, mesmo condenado, ainda é o ídolo de uma legião de fanáticos. E a imagem do “líder preso injustamente em casa” é combustível para o discurso golpista que continua circulando nas redes, agora travestido de lamento religioso. O perdão, para ele, é mais uma manobra de poder.


A ironia é cruel, o homem que tentou destruir as instituições agora busca abrigo nelas. O autoritário que desafiava o STF pede que o mesmo tribunal lhe conceda piedade. É o algoz pedindo compaixão, a farsa perfeita de quem sempre usou o sofrimento como ferramenta de poder. O mesmo que ofendia ministros, que conspirava com generais e que estimulava o caos, agora se agarra ao humanismo constitucional para escapar do cárcere. É a mais nítida demonstração de como o bolsonarismo sobrevive, pela manipulação constante da dor e da culpa, pela inversão teatral de papéis entre vítima e agressor.


Do ponto de vista jurídico, a prisão domiciliar exige requisitos rígidos, doença grave, idade avançada, gestação ou incapacidade do Estado de prover tratamento adequado. Nada disso elimina a necessidade de garantir que o condenado não represente ameaça à sociedade. E é justamente aí que Bolsonaro tropeça, pois ele é, por definição, um risco à ordem pública. Mesmo de dentro de casa, segue capaz de incitar seus seguidores, difundir mentiras e insuflar o caos. O perigo que representa não é físico, é simbólico, é o da impunidade transformada em doutrina política.

Enquanto milhares de presos pobres adoecem e morrem em celas sem direito a defesa, o ex-presidente conta com uma equipe de advogados e médicos para transformar sua punição em narrativa. É o retrato da desigualdade penal brasileira, onde o cárcere é o destino dos anônimos, mas a exceção é a morada dos poderosos. Essa disparidade revela o que ainda somos como país, uma nação onde a lei é invocada por quem a violou, e
ignorada por quem dela mais precisa. Bolsonaro, com sua tentativa de domesticar a justiça, personifica o vício estrutural do Brasil: a elite que nunca se enxerga culpada.

O Supremo Tribunal Federal acertou ao condená-lo, agora, precisa acertar novamente ao negar-lhe privilégios. Se Bolsonaro está doente, que receba tratamento médico em unidade prisional, como prevê a lei. Prisão domiciliar não é prêmio de consolação para quem tentou destruir a democracia, é medida de humanidade, não de conveniência política. O Estado deve ser firme, mas também pedagógico: a justiça só é respeitada quando é igual para todos.

O país precisa de justiça, não de piedade seletiva. Bolsonaro já provou que não respeita os limites da lei, nem a liturgia do cargo, nem o valor da verdade. Sua prisão, ainda que simbólica, é uma lição, pois ninguém está acima da Constituição e, se há algo que ele nunca demonstrou enquanto presidente, foi compaixão.


A farsa está exposta, o algoz, agora, pede clemência, mas o Brasil amadureceu o suficiente para não se comover com lágrimas de crocodilo.

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